domingo, 18 de janeiro de 2015

O Abandono de Jumentos nas Estradas do Paraná

   No Paraná, a população inteira de uma espécie tem causado transtornos para quem circula pelas estradas deste agrícola estado. São os jumentos, animais usados para carga.
   Originalmente habitante da região, a população foi-se cruzando com outras subespécies do mundo ao longo da história, como o jumento-selvagem-sírio (extinto), o burro alemão, a mula-ucraniana e o onagro de Hekinan.
   O rincho é o discurso mais usado pelo jumento. Os do alto da serra, onde a população elevada já virou um problema para a logística nacional do eixo norte-sul, pois habita justamente a principal artéria de circulação, é mais calado, porém não menos emburrado consigo próprio e com os outros burros seus irmãos. À procura de fartura, eles transitam pelas vias em busca de alimentos e outras necessidades que só os jumentos conhecem. Essas necessidades obscuras e mal-entendidas já virou tese de doutorado de um estudante gaúcho, que tenta, sem sucesso, entender a mentalidade e o sistema de pensamento do jumento paranaense.
   Muitos ainda, talvez por revolta resignada, empacam no meio da estrada, murrinhando de modo selvagem, não saindo do lugar. Talvez por falta de algo que, para nós, é desconhecido. O número de acidentes, segundo a PRF, só vem aumentando nesses trechos.
   Hoje, com a modernidade de ideias e a facilidade das máquinas, o jumento paranaense virou um empecilho para o desenvolvimento. Já foi-se o tempo em que se dizia "sem jumento, não há Paraná!". As coisas progrediram, para desgosto dos mais conservadores, que continuam gritando "sem jumento, não há Paraná!". Soja, fumo, cana, não vestem mais o lombo desse infeliz animal. A verdade tem que ser dita.
   Vamos ajudar essa espécie, com soluções humanas. Recondicionamento, reposicionamento, há vários projetos para solucionar esse problema e evitar os criminosos abates clandestinos. Antes de tudo, paciência. Respeito. Já dizia o saudoso Luiz Gonzaga na música "Apologia ao Jumento":

   Jumento meu irmão eu reconheço teu valor...
   Tu és um patriota, tu és um grande brasileiro...
  Eu to aqui jumento, pra reconhecer o teu valor meu irmão...

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

o Christmas do noel

   Obrigado, meu velho, pela visão deslumbrante que tive: 2 pessoas se esbofetiando no trânsito, enquanto as caixas de som ecoam o natal da Simone. Alegria, é chegado o tempo de paz, irmãos.
   Obrigado, meu bom velhinho, pela quantidade de gente no supermercado, comprando, escolhendo, chama o vô!, camisa azul, bombacha e alpargata, de chapéu, tá perdido olhando o preço da batata marrom, o preço da batata branca, o preço da batata.
   Obrigado, meu bom velho, pelo calor, pelo movimento, pelas filas de carros e filas de carrinhos e filas de cavalos e filas de gado, os mugidos e buzinas, as fotos do natal luz. O homem parado no meio da rua, erguendo a câmera, boca aberta, dois minutos para tirar a foto do anjo de LED no poste, sua trombeta anunciando, dois minutos e meio para tirar a foto do anjo enquanto os carros estão parados, buzinando, a lua é crescente e fina, não reparam, três minutos e câmera erguida para tirar a foto, a melhor foto, a foto, vâmo, Chacó! Che-Êga de danta foto! isso tu nem enxerga tepois... Álo, vâmo, uma veiz! Schnell! os garo chá tão tudo buzinando! E Jacó tira a foto, de boca aberta.
   Obrigado, meu bom velho, por mais um ano de Simone tocando nos alto-falantes do mercado. E nos alto-falantes do poste do centro. E na loja que a loirinha foi atenciosa pra vender a regata na véspera, que horas a gente sai hoje? Seis horas, já falei, responde a gerente. Sempre tem alguém para comprar mais algo às seis horas, mesmo ao som do din-don din-don din-don da Simone que bate o sino da matriz pro papai-noel trazer o presente para a vovó e o vovô. Ainda que seja uma regata.
  Obrigado, meu bom velho, pelo supermercado novo na cidade. Agora são mais 3 supermercados novos na cidade. Tudo coisa dessa prefeita nova que liberou novos alvarás, pois antes só dois dominavam a cidade. Tudo coisa dessa prefeita nova da cidade, shuátz, ainda por cima, tú liba gôt! O segurança é shuátz, isso é o certo, impõe respeito nos malandros, e veio do Haiti, mas agora uma prefeita ser shuátz?! e ainda por cima mulher?! isso non é o certo! por isso tanto mercado novo! por isso tanta chente nesse mercado novo gastando o que nem pode, e nem caderno tem nos caixa pra pedi pra anotá e pagá depois em chanêro, depois do IPVA do auto, isso non é o certo. Chama o vô! e o vô de chapéu tá perdido olhando o preço da batata branca e da batata preta e pensando como ele, plantador de batata, ganha tão pouco pela batata plantada.
   Obrigado, meu bom velho, que chegou o primo lá de Paraná, a irmã lá de Santa Catarina, a coisa não tá fácil: agarraram tudo e foram embora. Só deixaram o sofá. Hoje de noite vamos colocar os pingos nos Í's, a mãe tá doente e nem pra ajudar tu pode. Nem pra ajudar na louça tu pode. Nem pra segurar a língua na hora de comentar o sal no arroz tu pode. Vamos todos apontar nossos dedos, vamos todos quebrar copos, gritar, gritar, pois ninguém nos escuta, vamos todos encher a cara pra aguentar gente nossa que não se aguenta sóbrio, e pisar fundo, ninguém aguenta mais um ano desse jeito. Ninguém aguenta mais um ano desse jeito. Ninguém aguenta mais do mesmo desse jeito.
      Obrigado, meu velhinho, o lixeiro passa hoje. 
   Obrigado, meu bom velho, que nem de aniversário está: a trombeta está na boca do anjo de LED. Só falta o assopro, João Revelações. O dia do assopro virá, ninguém fica tanto tempo sendo empurrado pela cantora sem enlouquecer um dia. As ruas estão cheias, como nunca dantes. A cidade cresceu, como nunca dantes. E o ano de 2014 foi ruim. 
   Obrigado, meu bom velho, não sei por quê, hoje nem ao menos é seu dia.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Retóricas do Subsolo

 Eu me animo junto à excitação dos sabiás quando sobre o monte de terra recém movido, dentro da valeta que receberá os canos e o sumidouro, ciscando e olhando, atentos, algo que se move.
 Pois as minhocas não tem culpa.
 O que o homem abriu, a minhoca, descoberta, acaba vítima. Teve sua terra cortada à maquina, as aves aproveitam. O sabiá vê ali uma grande oportunidade de enriquecimento, pouco preocupado com a finalidade da valeta. Enriquecimento corporal, sobrevivência à esses tempos químicos, barriga cheia, (um médico disse que não somos passarinhos pra comer tanta granola), uma picanha, quem sabe?, um belo filé com gosto de terra. A minhoca cobre-se de desespero agora desnuda, arejada, inquieta.
 Eu desconheço o gosto da minhoca, pergunte à um excêntrico. O sabiá mastiga primeiro sua cabeça (ou rabo, tampouco sei sobre frentes e versos deste ser), o que lhe dificulta o equilíbrio e lhe causa uma leve labirintite. Depois, engole. Mas antes, antes de engolir, antes, ainda, ela treme antes de engolir, e nossa vontade de comer nissin lámem talvez seja a projeção, no incosciente, de um desejo oriental de se saborear minhoca, e aqui falo de humanos, pois desconheço o inconsciente coletivo dos sabiás.
 Escargots e foie gras, isso só em Paris (com uma leve degustação antes do embarque). Outros quinhentos. O ganso é alimentado com um excedente de ração, muita ração, bastante ração goela abaixo, o ganso não consegue nem pensar de tanta ração por sua boca, por sua garganta com ração, uma quantidade enorme de ração, e depois CRAU! no seu fígado. Doa o seu fígado, comem o seu figado, esses franceses. Fotos, selfies, abracinhos da mesmice paraguaia. É preciso ser franqueado em algum setor beneficiado.
 Por enquanto, as minhocas. E o canto do sabiá, que inaugura a manhã e, surpresa!, a terra se abre. No monte preto, o desjejum.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Drops da Infantaria Encurtecida nº 07

  Tomazoni parte em uma missão de salvamento e após escalar a torre mais alta do castelo encontra a princesa, gorda, sorridente, tricotando.
  Polainas.
  Para os tornozelos, pois começará na academia na terça de manhã. O seu personal trainer está sentado num canto, tomando uma xícara de chá com o dedo mindinho levantado. Ele abana um sorrisinho indiscreto com sua mãozinha. Já fez a inscrição, a tatuagem, o botox, o silicone, o exame preliminar, o teste de cantada, o fone de ouvido, a capa do Ai-fone, as unhas de oncinha, a outra tatuagem, o cabelo amarrado, o tênis importado, a sobrancelha Jolly, o bigodinho brazillian de Hitler, o perfume no ombro, a calça justa, a blusa justa, a outra blusa sobreposta justa, tatuagem no punho, e faltavam, obviamente, as polainas. Um alquimista entra com uma chávena de chá e se retira, receoso. Ratos roem a roupa do rei. Tomazoni nervoseia, pois os alquimistas são discretos e silenciosos (moram bem longe dos homens).
Volte na quarta, querido, e Tomazoni se despede, pulando pela janela.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A Narrativa Roussef

  A presidente Dilma não faz literatura existencialista. Não cria personagens em conflito morando em grandes cidades, habitando apartamentos vazios e áridos pela solidão politana.
  Com a chegada dos médicos cubanos, a presidente Dilma cria um enredo provocativo, com heróis, supostos vilões vestindo-se de heróis, respostas e aventuras.
  Existe uma crise. Um ato vai tentar corrigir essa crise. A burguesia "bem-pensante" se voltará contra esse ato, em respeito à classe dos médicos. A classe reacionária usará seus instrumentos para manipular nossa admirável classe média e colocar na sua cabeça que o ato é falho, inadmissível e deplorável. A classe média, em eterno retorno, será manobrada pela sua TV das 21 horas, já que um médico descente tem que ter pele branca, cabelo branco, macho e homofóbico (ou seja, deve ser o Antônio Fagundes). O escritora inova aqui, definindo o personagem como um grupo de pessoas, não apenas um (sem falar nos VÂNDALOS, que entrará(ão) também na história).
  O médico cubano é o "professor Langdon" de O CÓDIGO DA VINCI (vou usar esse exemplo tosco, pois de nada vai adiantar eu citar Raskolnikov ou Riobaldo, já que a nossa classe média gosta de Dan Brown e Paulo Coelho). Assim como Langdon vai quebrar a moral e os bons costumes, dizendo que Jesus trepou com uma biscate e teve um filho, o Médico Cubano vai tentar quebrar as acusações com dedicação e trabalho. Não sobrarão atentados, envenenamento, clima ruim e falsas acusações nos postos de saúde, todos perpetrados, claro, por Antônio Fagundes, o fazendeiro-mor do Sírio-Libanês. Os planos venderão mais, o SUS será escrachado e o Fluminense ficará feliz com o aumento da verba do seu principal patrocinador.
  Uns chamarão de folhetim, outros chamarão de romance histórico, a verdade é que a narrativa Roussef está longe de acabar. Ou o leitor se confraterniza com o herói carismático que luta pelos plebeus, ou o expulsará de volta à sua ilha. 
  Outra visão tosca seria uma analogia com o estruturalismo. O centro da narrativa é o Médico Cubano, somente os atos do Médico Cubano, seus erros, seus acertos, e nada mais! Nada de Antônio Fagundes manobrando intrigas, nada de jornalismo reacionário, nada de politização (politização? o que tem a ver isso nesse enredo todo?). Mas deixe Umberto Eco com sua fuça em cima da obra e vamos olhar em volta. Vamos nos informar mais, vamos tentar entender a narrativa Roussef. 
  Ou, talvez, visitar um posto de saúde. E estudar medicina preventiva. Ver o contexto histórico-político-moral de uma sociedade é recomendado pela bula antes de ler a obra.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Morro Cantagalo e Mais Além - A Segunda Parte

   Final de 2002. Os atletas de cristo de 99 já eram história. E a limpa feita no time da Azenha surtira efeito: conquista da Copa do Brasil em 2001, uma quase final de Libertadores em 2002 (derrota nos pênaltis para o Olímpia), um time azeitado. O centenário do clube seria comemorado com louros e faixas.
   Porém o Sobrenatural de Almeida, de caso com o lado negro da Força, preparava sua vingança contra a sacrossanta imagem do Cristo. Isso não ia ficar assim, não ia! Era preciso o dedo erguido aos céus, e comunista aqui que fosse pra Cuba! 
   O presidente do time da Azenha somava todos os encostos da Bahia para baixo, inclusive aquele forte lá do Morro Santa Tereza. Um pé de gelo. Incompetência, brigas, a quase queda em 2003 e o reveillon em Punta del Este trazendo as piores frentes frias da história azul.
    2004 e os Atletas de Cristo (agora com sede própria (Carandiru, pavilhão 7, fundos)) contra-atacam. Sim! Não fizeram nada, apenas pediram justiça divina. Exu enclausurado. Tonturas da direção, nebulosidade, 150 mil para contratações e os salários talvez, talvez, em dia. Mandinga. Galinha preta enterrada na Praça do Papa. Vodoo. Sim, vodoo também, pois chegou um atacante panamenho, ex-presidiário, chamado Garces, depois de ter esfaqueado a mulher. Foi preso agora em 2011, quando reagiu à tiros a voz de prisão. Esse tipo de elemento compunha o grupo naquele corrente ano. Outros supostos atletas  eram Tavarelli no gol (e a lembrança não te trás arrepios?); o panamenho Baloy; Saraiva; Cocito; Ratinho; Fábio Bilica; Zulu e Rico.
   [Adendo: Saraiva foi roubado do Inter e anunciado pelo pediatra Saul Berdichevski, então vice-de-futebol, como o novo Falcão. Fábio "Birita" tinha uma amante italiana, e essa mesma causou barraco em um dos treinos.  Cocito, posteriormente, ajudou a afundar outros times. Berdichevski, em outra pérola, disse que Luciano Ratinho era melhor do que um tal meia que atuava no co-irmão chamado Nilmar. Zulu não era um jogador camaronês.]
   Um trem sem rumo, sem comando. O presidente mais perdedor de toda a história do clube, quando assumiu, mandou às favas todos os empresários, dizendo que ia tratar diretamente com os atletas. Ele se regozijava afirmando que tinha o melhor site de clube de futebol do mundo e o melhor ônibus para levar a delegação.
  O ônibus, então. 
 Essa história me foi passada dois anos atrás, no bar do Farinha, arredores da zona sul de Viamão. Uma tarde quente, o pó cobria o horizonte. O indivíduo me contou toda a história da viagem do time à Curitiba, nas últimas rodadas do campeonato (derrota de 1x0 para o Paraná, e, momentos antes da partida ter início, segundo uma testemunha ocular, Pitbul tomava um chopp na Rua 24Hrs, ao lado do hotel, acompanhado de duas moças). Não vou entrar em detalhes sobre o que acontecia no idolatrado Trovão Azul, dito cujo ônibus de dois andares, mas a farra correu solta em todo o trajeto. Um dos roupeiros, incomodado com o barulho, foi tentar dormir na poltrona 36 e seus olhos viram dois dos atletas do time se masturbando mutuamente. O horror, o horror!!
  A queda, a vergonha, o fundo do poço. Até quis largar a crônica esportiva na época. Ser correspondente internacional, travar textos nos suplementos de cultura, qualquer coisa, qualquer coisa! Ah, pro diabos o time do meu coração. Não devemos misturar as paixões, dizia um antigo professor meu. Eu era voraz em meus comentários, até estampido de tiro escutava no meio da noite. Com dirigentes não se brinca. 
  Corria o 30 de outubro, contra o Palmeiras, longe de casa (nosso estádio, interditado). O zagueiro panamenho Baloy, amigo do pistoleiro Garcês, é expulso quando ganhávamos de 2x0. Faltando 10min pro fim, o gol de empate do Palmeiras, gol de mão. O goleiro tricolor reclama e é expulso também. Bêbado, Fábio Birita vai pro gol. Quatro jogadores palmeirenses estão impedidos aos 48min do segundo tempo, um deles faz gol. Derrota. Deus, então, sorri aliviado. A queda foi decretada no dia 28 de novembro.
  Os atletas de cristo respiraram fundo, a justiça havia sido feita.
  2005 e as renegociações. Um clube falido, quebrado. As forças do bem deveriam ser trazidas de volta. Uma troca de técnico (normal, normal...) e, na madrugada da primeira partida, chega o treinador do Caxias, campeão gaúcho. El Mano de Diós, a torcida sempre idolatrava essa baboseira platina. Jogo de portões fechados, no estádio do co-irmão, dava pra se escutar o grilo embaixo das traves.
 Mas vamos nos focar nas negociações. Deus, fazendo-se representado por seu advogado, dá sinais de retomada quando não dá o penalti no Tinga, expulsa o mesmo, e o Corinthians empata com o time do Beira-Rio em 1x1. O resultado deu o título ao time de São Jorge, deixando irritado o co-irmão. Pipocam foguetes na Azenha, e eu me lembro muito bem deste jogo, assistido lá no alto do Cantagalo.
    A decisão final entre Deus e a direção fica para o nervoso 26 de Novembro, mesma data da final do Campeonato Brasileiro da Série B, o jogo que decidiria o céu ou o inferno, a subida ou a alma no purgatório, num estádio que trazia no nome todas as paradas cardíacas em corações apaixonados: Estádio dos Aflitos. O representante do clube diz que a sua instituição é laica, e tenta medir forças com a Glória Divina. Não dá outra: pênalti para o Náutico. Aos 31min do primeiro tempo. O representante do clube apela, Deus concorda. Cobrança cobrada, bola na trave. A conversa prossegue. Segundo tempo, Deus começa a desistir. Escalona é expulso. Agora temos dez em campo. Nervosismo. A Divina Providência se levanta e quer abandonar as negociações. Pênalti para o Náutico. Um jogador é expulso. Agora nosso time tem 9. Alguns jogadores vêem a morte, os demônios. O pavor toma conta. Outro jogador é expulso. Agora são 8. Vinte minutos de tensão. Mandaram embora os atletas de cristo, agora sofram as consequências. Seriam mais alguns anos de inferno. Mais um expulso. 7. O representante ora. E adianta orar agora? Brincaram com a Divindade! E foi isso mesmo que aconteceu, eu sei, eu tenho a história na mão, com exclusividade. Deus volta e senta junto à mesa. O penalti é batido e o goleiro pega. Agora são 7 contra 11. Deus fala apenas uma coisa: Anderson. O jogador leva falta. Cobra, recebe, parte pra cima de um, dois, tres, e faz o gol. O jogo termina. Mais de seis milhoes de seres vestindo mantos azuis rezam. 
  O time nunca mais deixará de ser cristão. 
  Até porque não ter religião é coisa de comunista (e o comunismo é vermelho).

sábado, 6 de abril de 2013

Considerações sobre o poema na água

   Se é pra ser igual a todo mundo meu narrador vai ser eu mesmo, escritor-alter, com crise de identidade na metrópole vermífuga, diarreia existencialista borrando fraldas de mim mesmo só pra ser igual a todo mundo.
  E só pra ser igual a todo mundo vou citar Pessoa, Guimarães, Camus, e também vou falar do humor subsubsubliminar de Foster Wallace, a festa da lagosta, que transcende a realidade e, claro, Róff, Filipe Róff, assim eu saio um pouco do academicismo, pra citar caras modernos e ser mais igual a todo mundo.
   E só pra escrever como todo mundo eu, o narrador de mim mesmo (não o escritor-alter nem o escritor que seca a louça), em primeira pessoa (aquela tabelinha dos verbos, lembra?), vou usar recursos estilísticos de primeira grandeza, porque terceira dá bronze, e defecar-lhes-ei sobre vossas cabeças meu niilismo social auto-egocentrístico marxista, só pra mim ganhar cerveja no boteco descolado e comer umas gurias tatuadas com borboleta. Escreverei diálogos com dois pontos
   - travessão
entre vô e neto, discutindo banalidades e, caindo então, em assuntos etéreos, como tempo, bibelôs, alfazema e caturritas, dizendo muito em pequenos assuntos, depois virá um fluxo de consciência, analépse, uma prolépse, e dois bolinhos de soja (a conta, por favor!).
   [Ele era assim desde pequeno. Eu falava pra mãe botar ele na escolinha de futebol, até comprei chuteira! Disse que apertava... Bota o guri pra brincar na rua, bota o guri pra atirar com a funda, mas não! Vivia enfiado naqueles livro dele... Agora inventou essa de publicar. Pra mim, coisa de boiola.]
   Escreverei no meio desta praça entorpecida de humanos, eu mesmo e meu caderninho, eu mesmo no chão do apartamento vazio. O vazio, o vazio!
   Só pra ser igual a todo mundo vou criar extensos diálogos com o propósito de parir personagens polifônicos de múltiplas identidades,  axiológicos bakhtinianos, tão diferentes quanto um surfista, um filósofo, um coletor de resíduos e um pastor (todos votarão no FHC). Só pra ser igual a todo mundo viverei uma crise sem precedentes na história do meu apartamento universitário, bolorento das lágrimas derramadas pela menina que partiu, e escreverei, escrever-lhes-ei, contarei tudo como aconteceu, em primeira pessoa, frenético, o canudinho me servirá o nescau gelado.